A casa era grande, mas não chegava a
ser um palácio. Era antiga e se destacava das outras casas ao redor, perdia-se
na sua imponência, parecia orgulhosa como uma velha dama que insiste em manter
seu porte de nobreza arcaica enquanto todos à sua volta vestem calças jeans e
ouvem Beatles.
Nenhuma família é igual à outra, mas
a família que morava naquela casa parecia igual a todas as outras, de tão
comum. Os pais eram pessoas precipitadas e impacientes, e viviam sempre
compenetrados em afazeres cotidianos, enquanto as crianças, carentes de
atenção, aprontavam as mais mirabolantes traquinagens, certas de sua imunidade
a qualquer castigo ou censura.
A Avó ficava reclinada na cadeira de
balanço corroída pelos cupins, esperando chegar o dia em que o último chá seria
servido. Pensava no Avô, aquele velho teimoso e austero, que cultivava com
orgulho uma longa barba branca que cobria o pescoço e o peito, barba outrora
escura que ela vira branquear-se ao longo dos anos e que agora só existia nos
fragmentos da sua memória enfraquecida pela demência. Vivia seus dias assim,
distante e absorta em reminiscências, como se o mundo se resumisse na saudade
que sentia do Avô e no leve e constante balançar da cadeira, para lá e para cá,
para lá e para cá... Era de pouca fala; vez ou outra, soltava um comentário
incoerente, dizia algo que não correspondia ao momento. Como na vez em que o
filho lhe contara que havia sido promovido no trabalho. Ela sorrira, sinal de
que tinha escutado bem (não estava surda), parecendo radiante com a notícia.
— Não podemos deixar o cachorro
subir no sofá — dissera, após alguns segundos em silêncio.
A frustração do filho ficara visível
diante daquelas palavras nada motivadoras. Pobre de sua mãe, que sucumbia cada
vez mais à caduquice. E pobres deles, que não tinham cachorro ou nenhum outro
bicho para distraí-los.
A esposa passava os dias e as noites
a queixar-se da vida e a reclamar de tudo: da morosidade do casamento, das
constantes desobediências dos filhos, da sujeira que assentava sobre os móveis,
do desleixo com que tudo ali era tratado, tanto os objetos como os assuntos.
Porém o que mais a irritava eram os desvarios da sogra, a quem considerava um
estorvo na casa e na harmonia familiar, a verdadeira causa da deterioração
conjugal e da indisciplina das crianças. Não importava a questão que viesse à
tona, a Mãe sempre procurava uma maneira sutil de atribuir à sogra o motivo do
problema, mesmo quando sabia que ela não tinha culpa nenhuma.
Aqueles pequenos incômodos acumulavam-se
na sua mente como se fossem preparativos para um enorme infortúnio que ainda
estava por vir. Pesava sobre a Mãe uma grande responsabilidade: ela era a voz
que colocava as coisas em ordem, que tinha o poder de aquietar os ânimos ou
mesmo acendê-los. Mas toda aquela carga a deixava esgotada, pois apesar de ser
a voz mais ouvida ali dentro, era a menos compreendida. E a Avó era sempre a
responsável por tudo.
Não havia tempo ocioso nem interesse
em diversões, nunca programavam algo especial para fugir da cansativa rotina,
uma viagem, uma brincadeira, nada. A vida transcorria numa profusão de brigas,
acusações mútuas, lamentos, cabeças sob pressão. No entanto, apesar desses
percalços, de algum modo misterioso todos naquela casa mantinham uma pequena esperança
de viver dias melhores no futuro.
As coisas estavam nesse pé quando um
dia a velha morreu. Achava-se, como de costume, na sua cadeira favorita, a
cabeça apoiada no espaldar, os olhos inexpressivos: por isso, ninguém se deu
conta de que a Avó não movera nenhum músculo a manhã inteira, nem falara uma
única palavra. Ao meio-dia, a nora chamou-a para o almoço e estranhou que a
cadeira não estava balançando. Sem ouvir resposta, aproximou-se e tocou a face
da sogra, constatando que ela estava já fria e dura. Não conseguiu conter um
sorrisinho de alívio no canto da boca.
Na manhã seguinte, a Avó já
depositada no seu lugar de repouso eterno, o Pai e a Mãe decidiram se mudar
para um apartamento no centro da cidade, convictos de que precisavam renovar as
mentes, inalar novos ares, pois tudo naquele casarão remetia à falecida. O
único pertence do qual não se livraram e resolveram transferir para o novo lar
foi a cadeira de balanço, como uma relíquia, uma lembrança viva da sua muda
presença. Colocaram o objeto no centro da sala, feito uma peça de museu em
exibição permanente. A madeira estava tão corroída que precisava ser
urgentemente restaurada e tratada, antes que os cupins terminassem o serviço
destrutivo. Juraram que, salvo em ocasiões peculiares, ninguém jamais se
sentaria ali. As crianças foram muito bem advertidas nesse sentido. A memória
da velha deveria ser respeitada, e aquela cadeira servia como um altar ao seu
espírito.
Dias calados e tristonhos se
arrastaram, até que numa certa noite deu nas ideias da Mãe sentar-se na cadeira
da Avó. Assim, sem pretensão alguma, sem planejamento prévio, ela cometeu
aquele pequeno delito, enquanto o marido e os filhos dormiam. Sentiu-se
imensamente satisfeita em dominar o território que antes era exclusivo da sogra,
aquele assento que por tantos anos acomodara as nádegas ressequidas da finada,
o espaldar no qual se reclinara por tanto tempo aquela cabeça murcha e
embranquecida. Sim, a cadeira agora era sua. A Mãe permaneceu ali por longas
horas, deleitando-se com sua conquista. Era alta madrugada e ela não pregara o
olho, de tão exultante: enfim, o reino da velha decrépita estava tomado.
Tinha um livro nas mãos, com o qual
costumava atravessar as horas de insônia. Era um romance francês, a melhor
história que já havia lido. Na cadeira de balanço da sogra, o prazer de ler
aquele romance se tornava ainda mais intenso, quase uma apoteose. Nunca se
sentira tão senhora de si mesma. Pela primeira vez, experimentava uma profunda
plenitude, que nem mesmo o casamento ou o nascimento dos filhos haviam lhe
proporcionado. Como se a vida inteira até então tivesse sido uma preparação
para aquele momento. Tudo que já conquistara até ali, as vitórias mais
gloriosas de repente se tornaram fúteis e insignificantes. No vaivém da cadeira,
encontrara finalmente um sentido para a sua existência.
Subitamente, a única janela da sala
se abriu, e um vento estranho e forte entrou com violência, como que soprado
por alguma divindade zangada, derrubando vasos e fazendo voar papéis.
Assustada, a Mãe jurou ter escutado um sussurro baixinho. Era o vento ou uma
voz humana? Ela não conseguiu distinguir, e jamais saberia ao certo.
O livro caiu aberto sobre o seu
colo. Os olhos, inertes, se fixaram na janela, de onde se podia avistar a lua e
as estrelas, as únicas testemunhas daquele momento extraordinário. O tempo
estacionou na sala do apartamento, e uma atmosfera pesada e irreal permaneceu
suspensa no ambiente. Nenhum grito, nenhum suspiro. Só não houve silêncio
absoluto, porque se podia ouvir apenas o contínuo ranger da cadeira, para lá e
para cá, um gemido infinito, um barulho que parecia vir de algum mundo
sobrenatural.
Enquanto isso, na velha casa
imponente e orgulhosa, alguém sorria de satisfação com a bem-sucedida desforra.
Fonte da Imagem:
http://www.feedbackmag.com.br/wp-content/uploads/2012/07/cadeira-de-balanco.jpg