quarta-feira, 8 de maio de 2019

Os natais de Helena

* Conto vencedor do Concurso de Contos "O Espírito de Natal em Evidência" da Revista Evidência de Gravataí, em 2012.

Quando o mês de dezembro se aproxima, Helena começa a recordar de seus Natais da infância. Não eram banquetes suntuosos, nem havia fartura de presentes e comilanças. Hoje ela observa seus filhos e netos decorando a casa, armando a árvore de Natal, mergulhando em prestações de lojas de roupas e brinquedos. Em sua infância, Helena não tinha aquelas comodidades. As preocupações dela e de sua família eram outras, e tinham razões muito diferentes.
Helena, seus pais e seus irmãos moravam em um casebre na beira de um riacho. Viviam basicamente daquilo que plantavam na horta do terreno ao lado, além do modesto emprego de balconista de bar do pai de Helena. O que ganhavam era gasto em roupas simples e comida pouca, e o restante era cuidadosamente economizado. Porém não eram miseráveis, nem nunca passavam fome.
Helena hoje vê seus netos no Natal pedindo brinquedos de alta tecnologia, celulares de última geração, o mais novo modelo de computador ou o mais interativo dos videogames. As crianças querem presentes? Que mandem um e-mail ao Papai Noel e o que desejarem seus pais comprarão no cartão de crédito. Helena se entristece vendo esse ímpeto consumista em que o Natal se transformou. Lógico que ela quer ver suas crianças felizes e faria de tudo para alegrá-las. Mas Helena sente que as crianças precisam de algo mais, algo que lhes falta e que, na infância dela, por mais pobre e humilde, tinha um valor inestimável.
Quando o pai de Helena voltava do trabalho com caixinhas coloridas nas sacolas, as crianças já se agitavam e festejavam, pois sabiam que a noite de Natal estava chegando e que seria uma noite cheia de alegria, doces e muito amor. Uma verdadeira noite feliz. O que havia nas caixinhas? Bem, algumas balas, caramelos, biscoitos, guloseimas que o dono do bar retirava do estoque devido à má aparência ou à validade próxima do vencimento. Mas não importava. O pai de Helena juntava pedaços de madeira no armazém e confeccionava, ele mesmo, aquelas singelas caixinhas, decoradas com tinta têmpera e muito afeto.
Ao chegar em casa, sua esposa não lhe cobrava presentes para ela, pois apenas observar a felicidade dos filhos já a fazia sentir-se plena e satisfeita. Naquela noite, não havia peru nem panetone. Porém havia conversas animadas, contação de histórias, risadas, abraços, beijos e orações. As crianças não valorizavam mais os doces em si, mas o que eles representavam: o amor incondicional de seus pais e o desejo de ver os filhos contentes.
Neste final de ano, Helena, seus filhos e netos viajarão à Europa para ver a neve e os castelos medievais. Em sua infância, seus passeios se resumiam a breves caminhadas na beira do riacho. Ela só via a neve em figuras de revistas e para ela castelos eram sonhos de contos de fadas em que ela era a princesa que tudo tinha e tudo podia.
Para a pequena Helena, o Papai Noel era uma espécie de deus misterioso e benevolente, aguardado com ansiedade a cada Natal. Hoje ela crê que o bom velhinho é apenas uma figura mitológica… Será?
Helena agora olha o retrato de quando tinha sete anos, a única fotografia de sua infância. Aquela menina loira, doce e travessa, de vestido verde, olha puramente para a senhora de rosto enrugado e cabelos brancos. Uma troca de olhares sem cobrança ou arrependimento, apenas de ternura e saudade.
Uma lágrima corre pelas rugas de Helena. A neta se aproxima.
— Está chorando, vovó?
— Não é nada, querida — diz Helena sorrindo. — A vovó só está ansiosa esperando o Papai Noel.